SÍRIA E ALEPPO, QUE FUTURO?

Há alguns anos, Aleppo era uma cidade com ruas repletas de alegria e movimento que se fazia sentir pelos seus 2,13 milhões que a habitavam (de acordo com últimos censos oficiais de 2004). Era um importante centro urbano, financeiro e comercial devido à sua estratégica posição entre o Oriente e o Ocidente, ao ponto de ser dominada, sucessivamente, por vários povos, entre eles egípcios, romanos e árabes. Situada no norte da Síria, Aleppo (em árabe, Halab), uma das mais antigas cidades do mundo, é mencionada no Antigo Testamento. No entanto, a existência de um povoado anterior é indicada por vestígios pré-históricos que remontam a cerca de 6000 a.C. Aleppo tinha o estatuto de ser uma cidade rica em indústria manufactureira e por ser um dos principais destinos turísticos da região (é, inclusive, Património Mundial pela UNESCO desde 1986).

Em 2011, quando estalaram os protestos contra Assad, a cidade não foi palco de grandes manifestações como noutras localidades sírias. Mas no ano seguinte, Aleppo tornou-se num autêntico campo de batalha após uma iniciativa dos rebeldes para expulsar as forças governamentais.

A reconquista de Aleppo, que desde o de 2012 está dividida entre zonas controladas pelo governo (lado ocidental) e outras por rebeldes (lado oriental), constitui a maior vitória do presidente sírio Bashar al-Assad desde que começou a guerra civil. Esta vitória só foi possível através do apoio dos seus aliados russo, iraniano, das milícias xiitas do Hezbollah libanês, do Iraque e, até, do Afeganistão. Os russos, através do seu poderio aéreo e os dezenas de milhares de combatentes xiitas, coordenados pela Sepah Pasdaran – Guarda Revolucionária Iraniana, foram os grandes responsáveis por entregarem Aleppo ao regime, bombardeando-a, cercando-a e, finalmente, invadindo-a. Mas o seu peso na batalha mascara uma realidade penosa para Assad. Sem os seus tradicionais aliados, o exército sírio parece pouco capaz de assegurar e preservar o resto do território que está fora das suas mãos. A reconquista de Aleppo levou a uma autêntica concentração do esforço militar nessa missão, obrigando a descurar outras necessidades militares como era o caso da protecção à cidade de Palmyra. Essa opção permitiu ao Daesh reconquistar a cidade. Para além da derrota, as forças sírias perderam também muito equipamento militar para os extremistas.

Nos últimos anos, foram diversos os analistas que repetiram insistentemente que Aleppo seria a chave da guerra. Com esta reconquista, Assad passou a exercer controlo sobre os cinco grandes centros urbanos do país – Aleppo, Homs, Hama, Damas e Latakia.

Os rebeldes possuem nas suas fileiras grupos como Jabhat al-Nusra, conhecido como Frente al-Nusra – grupo que funcionava como uma espécie de sucursal síria da Al-Qaeda, e cuja nova denominação é Jabhat Fateh al-Sham e, ainda, o Jund al-Aqsa. Estes detêm algumas porções do território sírio, nomeadamente, em Idlib, a sudoeste de Aleppo, onde os seus terrenos são vastos, mas também rurais e pouco relevantes na economia síria. A oposição armada (rebeldes), sem o controlo de Aleppo, é uma força sem argumentos para negociar qualquer tipo de transição política segundo os seus interesses.

Deste modo, a acumulação de fracassos no terreno, somada ao fim da “era Obama” e à tomada de posse de Trump, quase de certeza significará uma redução dos apoios americanos e, desse modo, uma tentação de maior radicalização. Trump e o seu secretário de Estado, Rex Tillerson, deverão virar atenções para o combate ao Daesh e ao terrorismo, deixando para depois a situação da Síria, num período pós-Assad.

Tal como supramencionado, se é verdade que a captura de Aleppo não termina a guerra, também é verdade que a oposição – totalmente fragmentada, radicalizada e sem domínios urbanos relevantes – parece condenada a uma reinvenção. E aqui é importante salientar a derrota pesada que os EUA e os seus aliados europeus sofreram na sua estratégia. Isto é, criar uma oposição forte a Assad e fazer das tropas curdas o seu exército no terreno, em troca de uma futura divisão da Síria para a criação de um estado curdo. Na Síria, a administração Obama equivocou-se: pensou que a intervenção russa seria um desastre para Putin. A isso juntava-se a hipótese de Hillary Clinton ser presidente dos EUA, o que aumentaria a pressão sobre a Rússia. Outro erro. Os russos não se atormentaram e evitaram que as sucessivas negociações permitissem o reagrupamento dos rebeldes armados por Washington e pelos seus aliados.

Contudo, o posicionamento do agora presidente americano na Síria abre novas oportunidades de cooperação frutífera com a Rússia. A cooperação entre Rússia e os Estados Unidos é, de facto, condição sine qua non para a conquista de acordos de paz.

Neste momento, Assad está diante de três opções de acção. A mais provável é que as tropas do regime avancem em direcção a Sudoeste, onde se encontra a província de Idlib. Uma outra possibilidade seria dirigir-se ao Leste e ao Sul para  combater o grupo Daesh.
A terceira via, mais diplomática, seria uma negociação envolvendo principalmente três países: a Turquia, representando os rebeldes, e a Rússia e o Irão, aliados de Assad. Os países ocidentais e os do Golfo também poderiam ser chamados a participar.

Enquanto isso, a guerra caminha para o seu sexto ano, para cerca de meio milhão de mortos e para 5 milhões de deslocados e o regime e os seus aliados não estão ainda perto de ter o país sob controlo. Nos desertos do leste domina ainda o Daesh; no noroeste existem vastos territórios rurais rebeldes; os curdos reclamam alguma autonomia no norte e, no extremo sul, na fronteira com Israel, há ainda grupos organizados de oposição.

Agora resta saber qual é a capacidade militar do regime para manter Aleppo e as outras cidades, para reconquistar Palmyra e, eventualmente, desencadear um ataque à capital do Califado, a cidade de Al-Raqqah. Falta também saber qual a capacidade da oposição síria, em particular do Exército Livre da Síria (ELS), para reagrupar forças e tentar obter apoios internacionais para manter a oposição militar ao regime de Assad. 

Em suma, guerra não acaba em Alepo. A morte também não. Mas chegou a hora em que as principais partes envolvidas terão que tomar decisões cruciais. Ou coordenarão esforços ou continuarão em precário equilíbrio, nas fronteiras do confronto directo.

Autor: André Ratinho Pereira. Natural de Lisboa, onde reside, nasceu a 16/07/1993. É licenciado em Ciência Política pelo ISCTE-IUL. É mestre em Economia Monetária e Financeira no ISCTE Business School.
E-mail: andreratinhopereira@gmail.com

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